sábado, 11 de janeiro de 2014

Devedor-Heroi vs Cumpridor-Otário

 
Os últimos dias de 2013 trouxeram de volta às contas do país 1.253 milhões de €uros. Este valor não veio das prometidas reformas estruturais que em Portugal são apenas uma frase de campanha, não veio de uma qualquer privatização (de uma empresa com lucros), nem mesmo veio de qualquer uma das tradicionais formas de chegarmos a estes números grandes. Estes valores que já deviam estar nas contas do estado há muito, foram obtidos fruto de mais um vergonhoso regime de regularização de dívidas fiscais e à segurança social (RERD).
 
Tal como aconteceu em 1996 com o famoso Plano Mateus e em 2002 sob a égide da Manuela Ferreira Leite, em 2012 com os seus “parcos” 258 milhões arrecadados, 2013 viu nascer mais um famigerado programa de perdão fiscal. E com o privilégio dos prevaricadores se tornarem-se os heróis do orçamento ao permitir ajudar no cumprimento do défice de 5,5%. Este valor, que não corresponde á totalidade do valor devido, representa a módica quantia de 0,7% do nosso PIB. Um valor recorde que evidência bem a deterioração da nossa economia, a inoperância dos mecanismos de fiscalização e o descrédito da nossa justiça.
 
Mais uma vez quem honrou os seus compromissos com a sociedade, às vezes gerando problemas graves de tesouraria e por conseguinte com impacto no seu negócio, vê agora os devedores serem aclamados de heróis, e o seu contributo ser enaltecido por uma corja de políticos sedentos de louros. Quem honrou os seus compromissos foi portanto otário pois poderia ter aplicado esse dinheiro numa qualquer instituição bancária retirando daí os devidos juros, e ainda favorecendo a economia porque disponibilizava fundos aos bancos para estes poderem ajudar outras empresas, e, quando naturalmente aparecesse outro período de perdão fiscal, pagaria a sua divida, correndo o único risco de poder ser agraciado com uma medalha pelo Presidente da República por serviços à pátria.

Para cúmulo dos cúmulos, o Paulo Núncio como qualquer político de 5ª categoria e desejo de fama tem vindo a enaltecer estes números e o programa per si. Como qualquer político o importante é a propaganda pessoal do que consegue obter. Acredito que ele tenha uns dias muito mais alegres, pois deve adorar levantar-se de manhã e olhar-se ao espelho ….. e até deve imaginar já com o seu fato posto antes de sair de casa onde é que também a ele o PR colocaria a medalha de mérito. Se vergonha tivesse, apresentava os números discretamente e calava-se, ou ia pensar como pode garantir que a dívida por receber não atingia estes números, mas aí deixava de ser um político e podia ser visto como competente, o que para ele certamente será um crime de lesa a pátria.
 
Desde que o programa foi lançado até ao seu términos distaram apenas 3 curtos meses, nos quais, 319 mil contribuintes souberam que podiam ter acesso ao perdão, reunirão o capital necessário e pagaram. Apenas para deixar bem claro ….. 3 meses desde o anuncio ao fim do programa ….. 1.253.025.037 €uros reunidos e pagos em 3 meses. A imponência dos números é expressiva ….. foi o que aconteceu.
 
Temos um estado que não cumpre os seus compromissos de pagamento, tanto diretamente como nas empresas da sua esfera mas que, em contrapartida, exige o pagamento do IVA a tempo e horas. Mas á luz do que tem sido a regra, o próprio estado está a passar a mensagem que também o contribuinte pode fazer o mesmo que este faz. Ou seja, não precisa de pagar os seus impostos pois um dia destes quando esta dívida acumulada já for muito elevada e isso se repercutir nas contas públicas pela sua incapacidade governativa, haverá certamente um novo perdão fiscal.
 
Qual é portanto hoje em dia a motivação para o comum cidadão/empresa respeitar o pagamento de impostos devido?