domingo, 16 de fevereiro de 2014

Quebrar as grilhetas

 
É inegável que a inovação é um auxiliar e um acelerador de tudo nos tempos modernos, porém, como tudo na vida, quando é mal utilizado passa a ser prejudicial. Neste momento é quase impensável a alguém não ter telemóvel, preferencialmente com acesso à net e, em termos profissionais, estar igualmente comunicável em qualquer momento, independentemente do local onde se encontra. A nossa moderna trela eletrónica.
 
A proliferação do facebook e os Farmville da net são uma realidade inegável e, invariavelmente, uma fonte de problemas, ao ponto de várias empresas banirem os acessos a vários sites nas suas instalações. Qualquer estudo de ocupação de banda de transmissão de um site destes ou o nº de cliques feitos demonstra uma taxa de utilização elevada, logo, fonte permanente de distração. A modernidade aliada ao auto-voeyrismos é maioritariamente prejudicial.
 
A facilidade e a simplicidade de estabelecer uma comunicação ou transmitir mensagens começa também a ser um sério problema. Para determinados grupos profissionais, é já expectável que estejam sempre comunicáveis e atentos. Já quase não se pensa em "será que se ligar agora estarei a interromper algo?" ..... o pensamento é muito mais na linha do "porque é que esta besta não me atende o telemóvel" ..... e no caso do mail, é mais do "já enviei um mail" .....muitas vezes completamente vazio de contexto ou impossível de uma correta interpretação e o pensamento é "porque não tenho o meu problema resolvido? já enviei um mail!"
 
Este é um problema que tenho sentido nos últimos anos, onde cheguei a ter um chefe que estupidamente me chateava se não lhe atendesse logo o telemóvel ..... era irrelevante se estava a falar ou não, ele ligava e eu tinha de atender ..... e daí obviamente várias discussões ..... o mesmo se passando com o mail ....."porque não respondeste ainda ao mail do X" ..... ou pior, "porque não está tratado o problema do mail que já te enviaram" ..... felizmente este capítulo é passado ..... mudei de emprego ..... mas mesmo assim, continuava a sentir-me dependente do toque da modernidade.
 
Ao chegar de manhã perdia muito tempo a resolver os problemas dos outros enviados por mail, ficando algumas coisas que tinha de tratar para segundo plano. Ao longo do dia, a concentração várias vezes torpedeada por um mail com Urgente algures nalgum ponto da sua estrutura ou conteúdo ..... é impressionante como hoje em dia quase tudo é urgente. E aos poucos e poucos, cada vez mais sentia que estava preso às modernas ferramentas de produtividade, que ao invés de serem isso mesmo, estavam a dominar o meu mundo. A fazer-me sentir improdutivo.
 
Cansado de sentir esta grilheta na minha vida, apesar de reconhecer a sua utilidade, decidi tomar medidas drásticas para recuperar o meu sentimento de produtividade. Naturalmente que não era improdutivo, mas sentia cada vez mais condicionado, o que é quase o mesmo. Uma prisão. Urgia fazer algo ….. não sei viver condicionado ….. ir vivendo não é viver.
 
Depois de um longo período de introspeção sobre toda a minha vida atual, tanto pessoal como profissional, fiz uma pausa zen e tomei várias resoluções..... a ambos os níveis. Decidi começar uma nova etapa da minha vida..... irrelevante se dura 1 semana ou 10 anos ..... uma nova etapa e uma nova abordagem ..... veremos o que sai  e como até agora, sempre passível de alteração após nova reflexão. Quem não muda são os burros e os políticos. Mudar é sempre positivo, desde que em consciência.
 
Comecei com uma mudança simples .....não via o mail antes de resolver os assuntos que me impunha de tratar antes desse momento sagrado de abrir o dito cujo, o que foi um passo grande na forma como vinha a trabalhar. Mas achei que podia ir mais longe, que podia me sentir ainda menos acorrentado a esse deus Mail.
 
Estou a chegar ao final da minha 1 semana de horários controlados para o mail. Tal qual um drogado que faz um percurso de desintoxicação. Não consegui ir ao mail apenas as 2 vezes por dia como pretendia, mas fiquei muito perto desse objectivo. E a verdade é que me senti muito mais produtivo. Após ultrapassada a tentação de ir ver os problemas dos outros a toda a hora, passei a estabelecer horas para o fazer ..... se demorar 10 minutos a ler e tratar os assuntos demoro, se demorar 2 horas, demoro as 2 horas. ..... mas a horas estabelecidas por mim e sem sentimentos de culpa por ser dentro desses horários. Penso ainda demorar mais 2 semanas a calibrar o ritmo para me sentir tranquilo com esta modalidade, mas é esse o esforço que estou a fazer.
 
Não sei se este será para mim um modelo eficiente e eficaz, mas claramente acredito que o é e irei tentar ..... veremos como termina.