domingo, 28 de dezembro de 2008

Crianças problemáticas

Todos nós já fomos crianças e todos nós já passamos por momentos de rebeldia. O grau de intensidade varia muito de criança para criança, mas afecta todos. Essa rebeldia reflecte-se na vida familiar, nos amigos e obviamente, na vida escolar. Como a nossa função nessa altura é basicamente estudar, tendo mesmo direito de figurar no campo de profissão em formulários, esse será sempre maioritariamente o alvo principal da revolta.

Assistir ao desenrolar de um episódio destes é complicado. Ver uma criança a ter um comportamento cada vez mais problemático e de insucesso escolar é desesperante. Que me desculpem a analogia mas é como assistir à vida com um alcoólico. Eu explico. São situações de miséria pessoal que tem um impacto brutal na família em que estão inseridos. O próprio está a fazer mal a si mas a destruir os que o rodeiam. A grande diferença é que uma criança terá um futuro pela frente e no caso do alcoólico acabamos por ficar apenas com pena dos que o rodeiam. Isto para além do facto obvio de ser uma criança, com tudo o que isso acarreta.

O que se pode fazer numa situação destas? O sentimento mais neandertal pode ser pensar que se resolve o caso à tareia mas, anos e anos de história e situações pessoalmente presenciadas dizem-me que essa definitivamente não é a solução. Retirar tudo e mais alguma coisa à criança, que muitas vezes até pouco ou nada tem, também não é solução.

Como as crianças menores e sem o 9º ano de escolaridade não podem ser postas a trabalhar para perceber o que isso é, não se pode sequer fazer com que se apercebam do caminho que seguem pelo seu próprio exemplo. Esta terapia tem o efeito perverso do dinheiro que a criança pode eventualmente ganhar. Inicialmente compara o pouco ou nada que tinha com o que obtém por fazer algo que não é chato como estudar e, quando finalmente perceber que poderá não alcançar o mesmo que poderia ter com estudos, já pode ter passado o “seu tempo”. Não é a formula mágica, mas muito válida para algumas crianças.

Para efeitos de leitura deste texto, imaginem que é o vosso filho, enteado, neto ou sobrinho ..... o que fariam?

Nos últimos dias tenho meditado neste assunto, tendo mesmo na cabeça um caso concreto e não consigo chegar a uma conclusão. É um daqueles casos em que não existe preto e branco mas uma imensa palete de cinzentos. Como fazer uma criança perceber que se está a prejudicar a si própria, hipotecando o seu futuro, quando sendo criança apenas tem consciência do passado e do presente?

Para efeitos de exercício mental, eis uma solução possível:

Primeiro passo: regras e rotinas. Não podendo alterar o meio que envolve a criança, a melhor estratégia que me ocorre é a focalização total na criança, muito num estilo militar mas de tranquilidade. Gritos, ameaças, tareia e sarcasmos são, na minha opinião, passos para trás que se dão. Volto a frisar, estilo militar mas sem os gritos ..... ser rigoroso não é o mesmo que ser mentecapto.

Por muito asfixiante que seja, é preciso definir um calendário diário que a criança terá de cumprir. Começa por uma hora fixa de se levantar e termina com hora obrigatória de deitar. Tal como aprendi com uma mãe, a hora de deitar terá de ser cedo e obrigatória. Se a criança não tiver sono, ainda melhor, está autorizada a ler um livro. Entre o tempo que medeia o levantar e o deitar, terá de existir uma série de tarefas a cumprir, tal como um bom banho, arrumar o seu quarto, algumas outras tarefas caseiras e um plano obrigatório de estudos. A saída para as aulas e a entrada tem de ser rigorosa, não podendo deixar de haver um tempo para actividades sociais e lúdicas. Este tempo é também muito importante e fundamental.

Passo seguinte: os estudos. Definir um plano de estudo obrigatório, com resultados facilmente mesuráveis e de curto prazo. Estabelecer para uma criança destas objectivos à distância de um semestre ou trimestre é perder esse tempo que já não será possível depois recuperar. No plano de estudos, para além da quantidade de livros de apoio e exercícios que existem, há sempre as soluções economicamente mais dispendiosas de explicadores ou sites temáticos como os do ministério da educação.

Último passo: recompensa. Sendo a função de uma criança estudar, a recompensa não poderá obviamente vir do sucesso nesta área, porém, o sucesso nesta área deve ser recompensado de forma subtil. É não dizer “ganhas isto ou aquilo” mas recompensar sem nada dizer ..... as crianças são espertas e percebem que são recompensadas pelo seu sucesso ..... na minha opinião tem mais efeito porque isso mesmo, por serem eles a chegar à conclusão que estão a ser recompensados pelo seu esforço. A recompensa deverá reflectir-se na liberdade que elas vão obtendo, como por exemplo, na alteração das tarefas que têm e na percepção que vão tendo tarefas de maior responsabilidade.

Se pensarmos bem, uma filosofia destas não é muito diferente dos programas que são feitos para recuperação de toxicodependentes e, muitas vezes com bons resultados. No caso dos toxicodependentes, existe sempre a tentação daquelas boas sensações que a droga proporciona mas, no caso de uma criança, o apelativo não é tão viciante ..... mas existe!

É um mero exercício de retórica mas não posso deixar de o fazer, por mais subjectivo ou idealista que ele seja. Vale o que vale.

Recado para alguém pensar: Entre pagar uma casa numa estância balnear que se usa 3 semanas por ano e ter um filho num colégio particular onde terá outro tipo de acompanhamento e regras, eu escolheria o filho ..... mas isso sou eu.