3:17. Era o que o
relógio do telemóvel marcava, pousado sobre o livro que havia em cima da sua mesa-de-cabeceira.
Olhou de relance para o livro. Na realidade ele não deveria estar ali mas sim
perdido, ou melhor, atirado para uma das inúmeras prateleiras de livros, entre
tantos que lá estavam e que nunca seriam lidos. Aquele tinha demorado
eternidades a vir da livraria para ali e apenas por vergonha ali estava. Lia
por vezes a dedicatória mas não passava dessa parte. E ali ficaria, pelo menos
para já.
A lembrança daquela
agora longínqua viagem de comboio não saía do seu pensamento. Isso ou os
pequenos nadas que agora faziam um todo. Dava voltas e mais voltas e não
conseguia dormir. Tudo o que vivera depois desse episódio era agora revivido
aos poucos. Teria feito bem ou mal. Não conseguia ter a certeza, e essa era a
parte que mais a atormentava. Havia ficado presa a um passado e abdicado de um
futuro. Agora sabia-o. Agora.
À cabeça, para alem de
tudo mais, vinham-lhe à cabeça as palavras do Eustáquio que havia aprendido de tanto ouvir .... quando minha escolha é consciente, nenhuma
repercussão me assusta. Quando não é, qualquer comentário me balança .....
Susana balançava ....
muito ..... a prova disso é que não conseguia dormir. Agora sabia-o .... e
sabia que agora podia ser tarde demais.
4:48. Os ponteiros
analógicos dos minutos pareciam martelos a cada movimento. A cada 60 segundos. Sentia-os
todos. Raios os partam que não lhe davam descanso.
Não conseguia mais ter
posição. Olhava para a gaveta e recordava as últimas palavras “não sou um vibrador esquecido na gaveta
apenas para quando tens necessidade” ..... e na sua mente formulava uma
ideia imaginária de uma lista das suas prioridades para onde o tinha atirado
para o final .... mesmo lá em baixo, quase quase na última linha.
Agora tinha essa
consciência ..... agora .....
Levantou-se e vestiu o
seu robe bege. Era quente e naquele momento precisava disso. Precisava de um
pouco de calor e o toque suave das recordações que o robe lhe traziam. O resto
da casa estaria frio, certamente, e ela não queria sentir aquela sensação de
vazio assim. Não assim, não ao frio. Era violento demais para consigo.
Ligou o aquecedor e
foi fazer um chá. À medida que a chaleira aquecia a água, também ela tentava
aquecer o corpo e a alma. As mãos em concha por cima da chaleira era tudo o que
o seu corpo dorido lhe permita. Escolheu o chá com um leve sorriso nos lábios –
“Noites tranquilas” – como ela queria
isso agora.
Sentou-se no sofá e
ligou o equipamento de cabo. Percorreu os filmes e séries que tinha no arquivo
e escolheu um filme. Podia ter escolhido qualquer outro, mas inconscientemente
escolheu aquele por tudo ..... ou talvez por nada ..... e ficou debaixo da
manta quente a apreciar o seu chá e a assistir ao filme. O seu sistema de som surround transportavam-na para dentro da
tela.
A determinada altura
ouviu a parte que mais temia desde o filme tinha começado.
- Que dizes? ..... é só até ao fim das nossas vidas ....
Uma lágrima desceu
pelo rosto de Susana .....