domingo, 21 de fevereiro de 2016

Apenas um café


No parapeito da janela a chávena fumegava. Joana tinha deixado a chaleira tempo a mais ao lume e agora o seu chá repousava calmamente ao fresco da manhã. A sua gata estava deitada ao lado, apreciando a azáfama da rua em baixo de si, enquanto o calor que a chávena libertava a aconchegava.
Era um quadro lindo que um fotógrafo de ocasião na rua aproveitava.

A beleza de Joana tinha-lhe despertado a atenção ao fotografar as fachadas de um prédio na rua, e por ali ia ficando, fotografando ao acaso, na esperança de ela voltar a aparecer. A cada dois ou três disparos olhava para a janela dela. A gata era um bom pretexto, e ainda por cima era uma fotografia para prémio da semana no site onde ele publicava as suas fotografias. E ia fotografando e esperando. Pacientemente.

Ainda por ali ficou mais um pouco, mas acabou por se render e resignar. Aquela linda figura tinha aparecido fugazmente na sua vista e voltado para o Olimpo. Só assim se explicava tamanha beleza e seu desaparecimento. Ele queria acreditar que assim era, sorrindo ao imaginá-la a ganhar asas e a fugir para o seu lugar natural. E com o mesmo sorriso, voltou a percorrer aquele bairro tão pitoresco e que tanto potencial de fotografia tinha.

Juan continuou o seu trajeto, fotografando pessoas, casas e pormenores arquitetónicos. Tirou algumas das melhores fotografias a P&B que se lembrava de ter tirado, especialmente à Dª. Maria que sentada à porta, fazia o seu croché enquanto contava uma história à sua netinha. Ela lembrava-lhe a sua própria avó, e isso tornava aquela fotografia ainda mais especial.

Aos poucos e poucos, o cansaço de tantas ruas palmilhar e o peso das máquinas fizeram-no querer repousar um pouco. Lembrou-se que 2 ruas abaixo de onde se encontrava tinha estado num miradouro lindo sobre a cidade, e para lá se dirigiu. Um sumo de laranja natural far-lhe-ia maravilhas e a vista era um sonho ..... um breve vislumbre sobre a ideia que tinha de Santorini, onde queria brevemente ir. Mas não queria ir sozinho, não a Santorini.

Ao chegar à esplanada o seu coração parou. Na mesa mais à frente, estava aquela obra de arte que havia visto à janela e nela desaparecido. Tentou ganhar coragem para dela se acercar e meter conversa .... seria fácil ......

- Hola. Puedo sentarme?
- Claro .... disse Joana instintivamente enquanto tirava os olhos do livro que lia
-  Yo soy Juan e voce es una hermosa mujer
- Obrigado. Você é sempre assim atrevido?
- No .... pero no resisti

Seria tão fácil .....mas a beleza dela era tal que Juan apenas se sentou umas mesas mais atrás ..... esteve quase a ganhar coragem mas no último momento não conseguiu ..... tinha medo de ser corrido e por isso preferiu sentar-se longe ..... aqueles segundos onde tudo ou nada podia acontecer ..... claudicou. Na sua cadeira longe, ficou a apreciar aqueles longos cabelos negros e o sorriso de menina. Apenas a apreciar.

Passado pouco tempo, Joana pagou a sua despesa e desapareceu entre a multidão ..... o medo do que podia ter acontecido foi superior ao ganho do que poderia ter sido ..... havia perdido e sabia-o bem ..... certos momentos não se repetem e certas vidas perdem-se por coragem de arriscar ..... viu Santorini desaparecer na multidão com ela .....

Juan olhou para o pacote de açúcar Nicola que acompanhava o seu expresso ..... “Um dia vou deixar de sonhar ..... hoje é o dia”. O seu pouco Português dava-lhe para perceber o texto ..... sorriu .

..... hoje não tinha sido o dia ..... momentos ..... da próxima vez  ..... talvez.