Era tarde, muito tarde. A televisão passava um filme nostálgico, daqueles de fazer chorar as pedras da calçada. Era já antigo, quase a pedir uma reciclagem, porém, continuava a ter ainda aquele encanto especial. Era uma daquelas histórias que fazia sonhar. Lá longe na cozinha, no fogão, a chaleira apitava viva e freneticamente. Era tarde.
No pequeno sofá Nina repousava e ronronava. O seu rabo oscilava e chicoteava a almofada num ritmo pausado mas constante. Longe iam já aqueles dias de juventude irrequieta que tantos pequenos estragos haviam produzido, especialmente no sofá. Era uma companheira de longa data, muitas vezes confidente. Ouvia e ficava a fitar, fechando os olhos como que em sinal de apoio. Uma boa companheira.
Abriu o armário por cima do micro-ondas. Na primeira fila da prateleira de baixo, metade era ocupado por caixas de chá. Havia chás para todos os gostos e feitios. Desde os tradicionais de pacote, que lhe faziam lembrar os fast-food, passando pelos ingleses que havia trazido na pequena loja ao pé de Russell Square, até aos mais exóticos trazidos pela sua amiga da última viagem feita à India. Optou por uma chá de infusão de Jasmim.
Na gaveta por debaixo do fogão encontravam-se os principais acessórios de cozinha. Depois de remexer um pouco, encontrou o que procurava. Agora já podia encher de chá para colocar dentro da chaleira. E assim fez.
Na sala, a pequena mesa de apoio em madeira de mogno já estava composta com um pequeno recipiente de água fria, algumas bolachas “típical British” e dois guardanapos, a par de dois pacotes de açúcar. Há muito que tentava abolir esse mal amado ingrediente mas o hábito não lhe permitia. Lembrou-se dos resultados do último check-up e da promessa que havia feito ao seu médico de família, mas o “para a semana começo” ainda estava válido.
O filme caminhava já a passos largos para o seu desenlace, mas certamente a seguir viria outro. Encostou-se a olhar para Nina, mais que para a televisão enquanto a sua mente divagava. Estava longe, mas não tinha pressa de voltar. O chá estava ainda muito quente e não lhe apetecia juntar água fria … era tempo de esperar.
Reclinou-se um pouco mais no sofá.
E eis senão quando um som familiar. O telemóvel vibrou ao som de um pato … “Quac, Quac” … entrara uma nova mensagem … tremeu … assustou-se … não estava à espera. Num gesto involuntário, hoje em dia normal e instintivo, jogou a mão ao bolso do robe e agarrou o telemóvel. Leu mensagem que acabava de chegar e ficou a olhar para ela … por esta não esperava!
O chá arrefecia na chávena, na televisão anunciavam o filme que iria começar e Nina, entretanto acordada pelo som do telemóvel, havia já pousado a cabeça e fechado os olhos … E agora Mr. Jones? … pensava para si … e agora?