terça-feira, 1 de março de 2016

Untitled

 
Sentada no seu sofá, em frente à lareira que crepitava, olhava para a pauta vazia. No chão, um monte de folhas amarrotadas estavam dispersas como que se plantadas propositadamente. Mordiscava o lápis nervosamente. Nada. O pentagrama parecia não querer receber qualquer nota. Nada.
 
Deitado a seu lado, o seu Labrador repousava com a cabeça na almofada. A cada folha amarrotada e atirada para o chão, levantava a cabeça, largava um suspiro e voltada a deitar a cabeça de novo na almofada. Esta era mais uma daquelas noites. Seria uma longa noite.
 
Recomeçar de novo. Aquela partitura era cada vez mais semelhante à sua própria existência. Todos os seus medos acumulados impediam uma única nota de fazer sentido. Era como se a folha árida estivesse destinada a ficar assim, despida de razão de ser. Nua.
 
A cada tentativa fracassada, o tormento de novo insucesso tornava a vontade de criar algo uma ideia aterradora. A noite caminhava para o seu apogeu e nada parecia fazer sentido. As notas não colavam umas nas outras. O processo produtivo era uma miragem. Nada.
 
Teria coragem para mais uma tentativa?
Teria coragem de superar o medo de falhar?
Será que ainda tinha música dentro de si?
 
Uma pauta vazia ..... uma vida inacabada .... a coragem de voltar a tentar .... como as coisas mais simples da vida são tão parecidas à realidade ..... uma pauta ..... uma vida.