Sentada no seu sofá,
em frente à lareira que crepitava, olhava para a pauta vazia. No chão, um monte
de folhas amarrotadas estavam dispersas como que se plantadas propositadamente.
Mordiscava o lápis nervosamente. Nada. O pentagrama parecia não querer receber
qualquer nota. Nada.
Deitado a seu lado, o
seu Labrador repousava com a cabeça na almofada. A cada folha amarrotada e
atirada para o chão, levantava a cabeça, largava um suspiro e voltada a deitar
a cabeça de novo na almofada. Esta era mais uma daquelas noites. Seria uma
longa noite.
Recomeçar de novo.
Aquela partitura era cada vez mais semelhante à sua própria existência. Todos
os seus medos acumulados impediam uma única nota de fazer sentido. Era como se
a folha árida estivesse destinada a ficar assim, despida de razão de ser. Nua.
A cada tentativa
fracassada, o tormento de novo insucesso tornava a vontade de criar algo uma
ideia aterradora. A noite caminhava para o seu apogeu e nada parecia fazer
sentido. As notas não colavam umas nas outras. O processo produtivo era uma
miragem. Nada.
Teria coragem para
mais uma tentativa?
Teria coragem de
superar o medo de falhar?
Será que ainda tinha
música dentro de si?
Uma pauta vazia .....
uma vida inacabada .... a coragem de voltar a tentar .... como as coisas mais
simples da vida são tão parecidas à realidade ..... uma pauta ..... uma vida.