terça-feira, 7 de outubro de 2008

Pai, um menino pode ter tudo o que quer?

Uma das características que sempre admirei nas crianças foi o seu espírito questionador. Começam cedo com a idade dos porquês, na sua descoberta do que é o mundo que os rodeia e, com sorte, nunca deixam de questionar. Existem perguntas simples e perguntas complicadas, como qualquer pai que esteja a ler este texto bem saberá. Algumas perguntas são fáceis de responder e outras muito complicadas, mas todas devem sempre merecer uma resposta o mais honesta possível. Esta é uma das principais formas de aprendizagem que sempre existiu e mostra o grau de confiança que as crianças têm nos seus progenitores.

Um dos episódios mais engraçados do filhão neste aspecto foi uma vez que saímos para passear e, como estava muito vento (frio), disse-lhe para irmos depressa para dentro do carro para não apanharmos vento. Uma frase corriqueira que se diz naturalmente, sem que seja questionada na sua essência, excepto pelo espírito curioso e sagaz de uma criança ..... “Ó pai, o que quer dizer apanhar vento? Como se apanha o vento?”. Imaginem-se com uma criança de 4 anos e pensem numa resposta imediata ..... como fui apanhado desprevenido, tentei o melhor que sabia explicar o que era uma força de expressão, isto obviamente tendo em conta a idade do petiz e, achava que até não me estaria a sair mal até ouvir aquela frase em suspiro ..... “pronto pai, esquece!” ..... uma mãe a rir e um filho resignado ..... priceless!

A pergunta de hoje, aos 9 anos, continua a ser fácil de explicar a um adulto e complicada para uma criança ..... “Ó pai, um menino pode ter tudo o que quer?

Ao ouvir a pergunta, relembrei-me da minha infância e de como era estranho que eu tivesse algumas coisas mas os outros meninos tinham tantas coisas que eu gostaria de ter. Porque razão não podia eu ter tudo o que gostava? Nunca me tendo faltado nada do que verdadeiramente era essencial em termos materiais, a verdade era que os tempos não eram fáceis e o supérfluo nunca abundou. Até ganharmos consciência do valor do dinheiro, acho que todos nos questionamos da mesma forma, independentemente de termos um pouco mais ou um pouco menos. E se podermos ter essa sorte, agradecemos o que tivemos e reconhecemos os esforços a quem nos deu, com mais ou menos sacrifício. Eu dou, agradeço e espero um dia poder retribuir ..... num mundo cada vez mais individualista, fica ao critério de cada um as suas acções.

Depois de uma ou duas perguntas para perceber o contexto que o tinha levado a fazer tal pergunta, comecei por lhe explicar que ele estava inserido numa escola privada, o que de si já o coloca a um nível de crianças que não passam propriamente necessidades. Também lhe expliquei que naturalmente à pais que fazem mais esforços para isso e outros que não precisam de se esforçar e, como tal, podem dar aos filhos, se o quiserem, muitas e muitas coisas. Depois disto, expliquei-lhe que era preciso também perceber a realidade de cada criança e como é de alguma forma natural que filhos de pais separados tenham um pouco mais que os outros. Percebendo a dificuldade desta afirmação, expliquei-lhe que era uma forma de os pais tentarem compensar os filhos pela situação que obviamente não é a que eles gostariam ou, noutros casos, uma forma de um pai/mãe tentar agradar mais que o outro.

Passada a questão mais materialista, seguimos para a questão de princípios e, a explicação do porque ele próprio não tinha mais coisas. Foi uma excelente oportunidade para lhe transmitir que o valor que damos às coisas é grande parte da luta ou esforço com que as obtivemos, dando-lhe exemplos concretos nossos e dele. Sou (e éramos) da opinião que uma criança que tudo tem, a pouco ou nada dá valor e, se tudo for assim tão simples e ao alcance de um Quero!, quando chegarem à vida adulta vão ter mais dificuldades em encarar a privação ou o ouvir de um não ..... que raio, se sempre tive o que quis, porque razão agora não é assim ..... que faço? ..... uma birra ainda funcionará? ..... alguns acham que sim!

Esta explicação sociológica pode ser muito bonita e filosoficamente correcta, mas no banco de trás vão apenas 9 anos de consciência social e, como tal, puxei da arma secreta que já estava preparada para uma boa ocasião. Esta justificava!

No decorrer do mês de Julho, durante aproximadamente 2 semanas, sempre que o João pedia algo e sem que ele se apercebesse, tomava nota do pedido, da data e do preço. Ao fim deste tempo, tinha uma lista de várias linhas em que o preço ia desde os 5/10 € até aos 2.300 €. Depois de achar que ele tinha percebido a importância de saber que não podemos ter tudo o que queremos e que devemos viver dentro das nossas possibilidades, falei-lhe desta lista e comecei a ler por dia, os pedidos e o seu valor. No final, perguntei-lhe se algum daqueles itens lhe tinha feito mesmo falta e se ele era mais infeliz por não os ter tido e, já tendo alguma percepção do que é o dinheiro, se ele teria utilizado muitas vezes o item de 2.300 € ..... fiquei muito satisfeito com a resposta ..... “Não”.

Sinceramente acho que a evidência do seu próprio exemplo foi importante para perceber o que lhe tinha explicado. Efectivamente um menino pode, dentro do razoável, ter tudo o que quer, porém, isso não faz sentido como exemplo de vida nem será mais feliz por isso. Fim de explicação.

Tal como todas as crianças, o João é um consumista nato, em muito ajudado por muitas e muitas horas de anúncios de brinquedos na televisão. Tal como muitas crianças, sempre que vai a uma loja quer muitas coisas. E como muitas crianças dos nossos dias, tem tantas coisas que o interesse do que recebe dura 1 ou 2 dias, porque é apenas mais uma. Para orgulho dos pais, percebe que não pode ter tudo e que nem tudo faz sentido, e, como tal, não insiste nem faz birras.

Sempre foi e continua a ser um orgulho de filho. Não por esta razão mas também por esta razão.